História da Poesia

A HISTÓRIA ATRAVÉS DA POESIA
A poesia sempre foi companheira da história da humanidade, pelo menos é o que pude perceber estudando os mais diferentes autores, antigos e atuais. Todos os feitos históricos, narrados em epopéias, sátiras, fábulas, epigramas, odes ou elegias, eram frutos de algum acontecimento associado ao cotidiano das pessoas ou à saga de um povo e seus governantes. A história também pode ser considerada o registro e interpretação de eventos do passado. Começou com a recontagem de lendas transmitidas pela tradição oral: as narrativas épicas de Homero foram as expressões poéticas da história oral, enquanto no período clássico da Grécia Antiga, Heródoto, Tucídides, Sófocles e Ésquilo entre outros escreveram narrativas da história de seu tempo.
Em capítulo anterior, quando descrevi algumas informações sobre os primeiros poetas, notei que os poemas, a exemplo da Ilíada de Homero, independente do lirismo e da extensão do texto, e na qualidade de mais antigos registros literários remanescentes, relatam detalhes de todos os acontecimentos possíveis da época ajudando a reconstruir a antiga história da Grécia fornecendo muitas evidências incidentais.
Emerson, em Ensaios (1994 : 15), associa história à poesia em cada parágrafo, frase ou capítulo, fazendo menções aos acontecimentos e referindo-se ao fato da poesia estar sempre presente nos principais acontecimentos dos povos e ao longo dos tempos:
“ O Jardim do Éden, o sol imóvel sobre Gibeão são poesia, desde então, para todas as Nações . A história universal, os poetas, os romancistas, mesmo em seus quadros mais faustosos – nos palácios sacerdotais e imperiais, nos triunfos da vontade ou do gênio – em nenhum lugar deixam de ter ressonância em nosso ouvido, em nenhum lugar nos fazem sentir que somos intrusos, que aquilo é para homens melhores; pelo contrário, é verdade que em suas pinceladas mais grandiosas sentimo-nos o mais à vontade possível. Tudo o que Shakespeare diz do rei, aquele garoto magricela que lê em um canto sente ser verdadeiro em relação a si mesmo. Nos compartilhamos dos sentimentos que despertam os grandes momentos da história, as grandes descobertas, as grandes resistências, as grandes prosperidades dos homens – pois ali a lei foi promulgada, o mar foi esquadrinhado, a terra foi descoberta ou rajada de vento soprou a nosso favor, do mesmo como, naquele lugar, teríamos feito ou aplaudido, e nada escapou à poesia, tudo se registrou através dela ” .
Através de poemas, muitos fatos chegaram ao nosso conhecimento. Ilíada e Odisséia, poemas épicos de Homero, conforme citado anteriormente, relatam muito bem todos os costumes e preocupações dos governantes da Grécia antiga com uma riqueza de detalhes jamais conseguida pelos registros oficiais da história.
Além de Homero e outros importantes poetas da antigüidade, muitos outros foram surgindo ao longo da história e cada um foi incorporando à sua maneira a verdade dos fatos em forma de poesia. A literatura latina teve início tardio, no final do século III a.C., com as peças de Plauto e, pouco depois, de Terêncio, ambos seguidores do modelo tradicional e comédia dos gregos.
Na época do nascimento do imperador Augusto, porém, os poetas romanos já haviam adquirido impulso próprio. Costumavam utilizar pessoas reais como personagens de suas obras. Por exemplo, Lésbia, a quem Catulo (Considerado o maior lírico da poesia latina ) se dirigia em seus elegantes poemas de amor e desilusão era, na verdade, uma dama chamada Clódia, ao que consta, casada com um cônsul.
E não havia dúvidas de que Júlio César e seu Chefe do Estado-Maior eram o alvo das farpas de Catulo: “ ambos adúlteros, igualmente ávidos, parceiros na competição pelas mocinhas da cidade ” . César tinha espírito esportivo : depois de exigir e receber desculpas, convidou o poeta para jantar.
Mas foi Augusto quem ofereceu patrimônio oficial inestimável aos escritores do seu tempo. Para assessorá-lo, recorria ao rico Caio Mecenas, um de seus amigos mais velhos e íntimos, que exercia o papel de caçador de talentos. Mecenas trouxe para o círculo imperial homens brilhantes de vários níveis da sociedade romana. Os poetas Ovídio (Mestre da poesia erótica, um dos primeiros poetas latinos) e Propércio (Poeta latino, amigo de Ovídio e admirador de Catulo, famoso por suas elegias) eram cavalheiros, o historiador Tito Lívio (Orador, estadista e historiador romano no início do Seculo I a.C.) vinha de uma família da Gália Cisalpina, o grande poeta Virgílio era filho de um pequeno agricultor e Horácio (Poeta latino da mesma época de Virgílio e Catulo) nascera numa família de libertos. E juntos descrevam minuciosamente os grandes acontecimentos do império.
Os primeiros poemas líricos de Horácio, Epodos, seguem a tradição de Arquíloco. Os quatro volumes de Odes são ainda mais notáveis – escritas em versos que mostram da melhor maneira a concisão latina, abrangem grande variedade de assuntos, com predomínio do amor, da política, da filosofia, da poesia e da amizade na época.
Segundo a Bíblia, o povo de Israel superou na lírica todos os outros povos. Cantou desde Moisés até Cristo. Os Salmos, por exemplo, são hinos sagrados por meio dos quais o povo de Deus costumava louvar o Altíssimo, implorar a sua misericórdia, agradar os benefícios recebidos e recordar os prodígios de sua paternal providência em torno de Israel. Foram compostos por vários escritores sagrados, sendo Davi (Segundo Rei de Israel, governante da tribo de Judá, famoso por derrotar o gigante Golias) o autor de sua maior parte.
Eram denominados Salmos por serem cantados ao som de um instrumento que os gregos denominavam Saltério. Dividiam-se em cinco livros e atualmente acham-se reunidos num único livro.
A coleção dos Salmos (Conjunto de hinos sagrados do Antigo Testamento Bíblico) não têm uma ordem especial; todas as cinco divisões foram indiscriminadamente organizadas por cada colecionador com os salmos que lhe vinham às mãos. Pertencem esses hinos a todos os gêneros da lírica hebraica : são hinos, ações de graças, orações, pias meditações, poemas históricos, didáticos, penitenciais. Tornaram-se célebres os salmos messiânicos, isto é, aqueles que tratam da vinda do Messias, Cristo; realmente, são considerados como grandes profecias.
Segundo os historiadores, tudo leva a crer que os Salmos tenham sido escritos em forma de versos e graças à doxologia, ciência que estuda o culto à glória e aos deuses, conseguimos entender a sua disposição e perfeita combinação das palavras para facilitar o acompanhamento de instrumento e música.
Outro poeta de grande importância para a história da humanidade foi Camões. Sua Ode XI, publicada na edição dos “ Colóquios dos Símplices e Drogas da Índia ”, relata sua viagem de regresso à pátria e suas andanças pela Índia e pela China, a qual, inclusive, foi financiada pelos amigos. Praticamente tudo que existe hoje sobre a vida de Camões é resultado das analogias feitas por especialistas na obra do poeta, pois a precariedade dos registros históricos não nos permite conhecê-lo de outra forma senão interpretando seus poemas.
Em 1571, um ano depois que Camões desembarcou em solo português, após 17 anos de exílio na Índia por ter agredido o rei de Portugal, de vida penosa, agitada e dificílima nas terras do Oriente, o poeta obtém, através de amigos influentes, a permissão e o alvará régio para a publicação de Os Lusíadas.
De Camões, em verdade, pouco sabemos. Nasceu pobre, viveu, morreu mais pobre ainda. Em sua poesia, e sobretudo nas poucas cartas que indubitavelmente são dele, pode-se ler que, como português, incorporou na alma toda a nossa condição : pobreza, vagabundagem, cadeia, sofrimento, paixão, insatisfação com os governantes de sua época.
Erros, má fortuna e amor ardente se conjugaram para fazer daquele alto espírito do maneirismo europeu uma das figuras mais desgraçadas da viasacra nacional. Quando foi preso em Goa, ilha sob domínio português, a nau 1 em que viajava naufragou e ele teve de nadar até as margens do Rio Mekong para salvar os manuscritos de Os Lusíadas, obra então quase finalizada. O importante da obra de Camões é ressaltar que o poeta foi capaz de enaltecer a história e, apesar de ter morrido na miséria, confunde-se com a própria história através dos tempos.
Não há estudioso capaz de falar em poesia ou literatura portuguesa sem lembrar de Os Lusíadas, clássico da poesia que já nem pertence mais ao poeta e sim à humanidade, digno de respeito, consideração e estudo. Camões viu a história, narrou-a e tornou-se história, inegavelmente, através de sua obra e de todo o sofrimento que acumulou em vida, como poeta, náufrago e exilado. Um pouco do pensamento do poeta pode ser analisado no poema abaixo:
A DITOSA PÁTRIA
Eis aqui, quase cume da cabeça
De Europa toda, o Reino Lusitano,
Onde a terra se acaba e o mar começa
E onde Febo repousa no Oceano.
Este quis o Céu justo que floresça
Nas armas contra o torpo mauritano,
Deitando-o de si fora; e lá na ardente
África estar quieto o não consente.
Esta é a ditosa pátria minha amada,
À qual se o Céu me dá que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se essa luz ali comigo.José de Anchieta, nosso primeiro poeta nacionalista veio para o Brasil em 1553, com a Companhia de Jesus, na comitiva de Duarte da Costa. Durante o período de colonização, sua missão principal foi a de catequizar os índios e ser professor nos primeiros colégios destinados aos filhos de portugueses que aqui chegaram, fidalgos, em primeira instância. Estudiosos e pesquisadores o definem como iniciador da nossa poesia, independente de ter vindo de Portugal e de ter nascido na Espanha, pois aqui viveu na época de transição histórica, a chamada fase lingüista do português.
Alguns estudos críticos de Anchieta, a participação na formação histórica do país foi de tal maneira intensa e fecunda que seus historiadores ou mesmo seus biógrafos quase sempre se esquecem que ao lado do homem de ação lúcida, de colonizador obstinado, coexistia um escritor sensível. Toda a obra literária de Anchieta está ligada à realidade brasileira da época do descobrimento. Escreveu dois grandes poemas, um dedicado à Virgem Maria e outro aos feitos de Mém de Sá, em 4 línguas : o próprio latim, o espanhol, o português e a chamada língua geral baseada no dialeto dos Tupinambás 3, ou língua mais falada na costa do Brasil, ao seu tempo.
Seus escritos foram classificados em cartas, fragmentos históricos, sermões, poesia lírica e autos de catequese, os últimos colhidos nos próprios costumes ou cerimônias indígenas. Os originais do chamado caderno Anchieta, com 208 folhas, encontram-se nos arquivos da Companhia de Jesus, em Roma. Ao que tudo indica, essas páginas escritas por Anchieta o acompanharam ao longo de sua vida no Brasil até os últimos momentos e estão recheadas de acontecimentos históricos do período em que os primeiros habitantes do Brasil tiveram o imenso gosto de companhia e puderam testemunhar a coragem do evangelizador e poeta em solo brasileiro.
No período Romântico brasileiro, encontramos um número sem fim de poemas e poetas a descreverem todo tipo de ação feito do seu respectivo tempo. Gonçalves de Magalhães narra Napoleão em Waterloo de maneira brilhante, algo escrito com riqueza de detalhes ou mesmo de imaginação digna de quem devorou por inteiro e absorveu todo conhecimento histórico daquela fatídica batalha em que grande imperador francês foi derrotado.
Alguns poemas monumentais não devem ser esquecidos jamais pela humanidade e, principalmente, pelos brasileiros. São poemas que relatam uma época sem precedentes, de transformação e muitas injustiças, onde os poetas escancaram toda verdade não adquirida pela simples leitura de livros escolares. I-Juca-Pirama, de Gonçalves Dias; Os Jesuítas e Navio Negreiro, de Castro Alves; Pedro Ivo, de Álvares de Azevedo; Morte e Vida Severina e o Auto do Frade, de João Cabral de Melo Neto; Natureza Intima e Lamento da Coisas, de Augusto dos Anjos e os Estatutos do Homem, de Thiago de Mello.
Há nos poemas todo um mistério irrefutável e intimamente ligado à história, não somente pela verdade poética do seu conteúdo, mas também pelo fato de não distorcerem os acontecimentos e ampliarem o nível de conhecimento tão limitado pelo registro histórico e pelo conhecimento do homem.
Wystan Hugh Auden, poeta inglês nascido no início do século, era o nome de um santo do século IX por quem o pai do poeta tinha particular afeição. Médico, Dr. George Auden dedicava-se também aos estudos arqueológicos, históricos e clássicos, tendo passado um pouco desses gostos ao filho caçula. Segundo José Paulo Paes (1986:7), em sua introdução quase didática sobre a Vida e Poética de W.H.Auden, enquanto poeta, ele é uma das mais convincentes ilustrações daquilo que os críticos costumar chamar de falácia biográfica , ou seja, o equívoco de querer explicar as particularidades da obra de um escritor pelos acontecimentos de sua vida civil. Na sua poesia, o pendor para a generalização leva de vencida a preocupação com o particular, o crítico obnubila o sentimental, e os poemas, em vez de estarem voltados para o registro de incidentes da vida do poeta ou de traços de sua personalidade, interessam-se antes pelo sucesso e pelas idéias mais candentes que foi dado a ele viver.
Em Valência, onde chegou em janeiro de 1937, não foi ser soldado nem motorista de ambulância como pretendia; puseram-no na propaganda pelo rádio. De volta à Inglaterra, escreveu um poema sobre a Guerra Civil Espanhola denominado Espanha, no qual oferece à história um série de acontecimentos da época e, mais tarde, numa declaração pública contentou-se em dizer, laconicamente, que apoiara o governo republicano espanhol “ porque a sua derrota pelas forças do fascismo internacional seria um grande desastre para a Europa”.
Em janeiro de 1938, viajou ao Oriente onde ele e outro colega foram fazer a cobertura da guerra sino-japonesa para um livro encomendado pela editora americana Randon House. Passaram três meses na China e alguns dias no Japão. Essa excursão inspirou Auden, em cuja obra há vários poemas sobre lugares, “ Uma Viagem “, em que, além da peça de abertura, em versos livres, acerca do seu desencanto com a utopia do bom lugar, inclui sonetos ferinos sobre o Egito, Hong-Kong e Macau.
A desilusão política de Auden é retratada em diversos poemas seus e quase todos o poeta faz um balanço de influências intelectuais, religiosas e políticas que sofreu :
Mas de súbito e sem aviso,
despencou toda a Economia:
para instruir-me havia Bretch.
Por fim, coisas pavorosas,
que Hitler e Stalin faziam
trouxeram-me Deus à mente.
Como estava certo do erro ?
Por Kierkegaard, Wiliam e Lewis
fui à fé reconduzido.
Ao citar Auden tentamos traçar um paralelo entre a vocação do poeta e a importância histórica do seu trabalho transformado em poesia onde, claramente constatado em seus escritos, há dados inequívocos da sua excepcional facilidade em avaliar os acontecimentos e registrá-los com riqueza de detalhes.
Poetas como Auden, Milton, Valery, Apollinaire e Heine são a própria história da humanidade. Através deles os estudiosos contemplam as verdades e mentiras de seu tempo e dificilmente podemos encarar qualquer poema ou mesmo texto em prosa que não haja um mínimo de verdade absoluta. A história está para a poesia e a poesia está para a história, são inseparáveis e nada pode desfazer esta junção. Seja por Homero, Horácio, Sófocles ou mesmo por Shakespeare, a história sempre chegou com detalhes embora as dúvidas sejam muitas pela fragmentação da obra de muitos poetas.
Fonte:
Monografia feita pelo autor em Curitiba / PR , março de 2001
Jerônimo Mendes (História da Poesia Universal – Breve Relato ) Parte IV.

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